segunda-feira, 20 de outubro de 2014

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CELA DA DELEGACIA ESPECIALIZADA - INTERDIÇÃO

Foto: Lucas Colombo
No final do ano de 2012, a 8ª Promotoria de Justiça de Criciúma, após ter sido informada sobre a existência de adolescente apreendido na Delegacia de Polícia da Criança, Adolescente e Proteção à Mulher de Criciúma, instaurou o Procedimento Preparatório n. 06.2012.00011144-0, destinado a apurar as condições do local destinado a receber os adolescentes privados, momentaneamente, de liberdade, conforme portaria anexa.

Conforme ofício nº 1605/12, enviado pelo Senhor Delegado de Polícia, Antônio Márcio Campos Neves, titular à época da Delegacia de Polícia da Criança, Adolescente e Proteção à Mulher desta cidade não possui qualquer condição de manter um adolescente apreendido.

Citava o aludido documento: 

"Ocorre que, não obstante previsão legal, a cela desta unidade não é apropriada para manter internado(ou preso) um adolescente (ou adulto) por um dia sequer. Ela existe somente para contenção de pessoas durante a lavratura do procedimento, já que não possui janela, cama e chuveiro, sem contar o serviço de alimentação. É portanto um local insalubre, deficiente de luz solar, o que, de certa forma,  atenta contra a dignidade da pessoa humana."

Em razão desta comunicação, este Promotor de Justiça, acompanhado de Oficial de Diligências e Assistente Social do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, dirigiu-se até as dependências do citado estabelecimento policial, onde pôde se constatar a precária e insalubre condições a que são submetidos os adolescentes alojados naquelas dependências.

A construção é separada do prédio principal, e servia ao mesmo tempo de almoxarifado para bens apreendidos e arquivo da Delegacia. Em um espaço minúsculo, sem qualquer iluminação ou ventilação, encontravam-se segregados os adolescentes, deitados em colchão emprestado de outra instituição, dividindo o espaço com o vulgarmente conhecido “boi”, que não passa de uma privada acostada ao solo. Naquele espaço, os adolescentes não tinham a menor possibilidade de realizar as mais básicas atividades de higiene pessoal, não dispondo de pia para escovar os dentes, nem muito menos chuveiro para tomar banho.

Ademais, a “cela” não conta com qualquer tipo de circulação de ar, sendo inexistente a ventilação e luz solar!

O que se tem naquela Delegacia de Polícia dita especializada, poderia dar inveja às mais precárias e insalubres masmorras da Idade Média.

É o que se pode perceber do relatório elaborado pela equipe do Ministério Público:

"A cela fica dentro de uma edícula, a qual também é utilizada como depósito de documentos arquivados e objetos apreendidos e está localizada nos fundos da Delegacia mencionada.
A referida cela, de aproximadamente 5m², não permite ventilação e entrada de luz, visto que possui apenas uma porta com grade na parte interna da edícula e pequenos furos na parede externa, possuindo apenas um buraco usado como sanitário ("boi") e dois colchões, os quais foram providenciados após a apreensão dos adolescentes. O local apresenta precárias condições de higiene, aspecto insalubre e odor fétido.
Em relação ao atendimento dispensado aos adolescentes, o Delegado responsável informou que os alimentos e as roupas estão sendo fornecidas pelos familiares e que a água é fornecida pela própria
Delegacia. Afirmou ainda que os adolescentes não tem acesso a banho e a materiais de higiene pessoal. Diante do exposto, constatamos que as instalações que abrigam os adolescentes na Delegacia apresentam condições deploráveis e desumanas de permanência, as quais violam o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, ofendem a doutrina de proteção integral, são incompatíveis com os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e desrespeitam o adolescente como sujeito de direito e em sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. 
Ademais, representam riscos à saúde, visto que os adolescentes estão sendo obrigados a permanecer em ambiente com odor fétido, havendo risco de proliferação de doenças infectocontagiosas, tendo em vista a ventilação insuficiente, a falta de higiene e iluminação quase nula."

Verificou-se, portanto, que a cela não oferecia condições satisfatórias de higiene não possuindo sequer banheiro adequado, obrigando os adolescentes a fazer suas necessidades fisiológicas em privada aberta anexa ao solo, conhecida vulgarmente por “boi”, convergindo na presença de odor fétido no local. 

Logo, a situação da cela da Delegacia especializada de Criciúma onde são colocados os adolescentes em conflito com a lei apresenta-se caótica, fazendo com que os mesmos permaneçam privados de liberdade local absolutamente impróprio, onde acabam sendo subtraídos também de dignidade, em total desrespeito à peculiar condição de pessoas em desenvolvimento. 

Dessa forma, a permanência de adolescentes na repartição policial deste Município, sem instalações apropriadas representa injustificável afronta aos princípios constitucionais do respeito à condição peculiar do adolescente como pessoa em desenvolvimento e à dignidade da pessoa humana.

Registre-se que a privação da liberdade do adolescente em conflito com a lei, reservada para situações extremas e excepcionais, deve ser voltada, desde o seu início, para a efetiva recuperação e ressocialização, e não apenas para a sua segregação do convívio familiar e social, em ambiente desumano e cruel, que faz com que o infrator saia da segregação pior do que quando entrou, haja vista a vivência com o descaso, com a negligência e com o desprezo impingidos em seu desfavor.

Diante disso, este Órgão de Execução do Ministério Público, com o intuito de fazer valer os ditames constitucionais e infraconstitucionais que amparam os adolescentes, propôs Ação Civil Pública 0024103-51.2012.8.24.0020 que, regularmente processada, inclusive com elaboração de prova pericial, foi julgada PROCEDENTE determinando-se a INTERDIÇÃO daquele local além de outras obrigações descritas na parte dispositiva da sentença que segue:

"Ante o exposto, para os fins do art. 269, I, do Código de Processo Civil, julgo procedente o pedido, a fim de, confirmando a liminar, interditar a cela apontada na inicial e situada na Delegacia de Polícia Especializada de Criciúma, para que nenhum adolescente apreendido pela prática de ato infracional deste município seja nela alojado, e condenar o réu a:
A) providenciar, reformando, construindo ou implementando outra medida que o caso comporte, instalações adequadas na Delegacia de Polícia Especializada de Criciúma, sob o ponto de vista sanitário, de habitabilidade, das normas citadas nesta decisão, mormente o Estatuto da Criança e do Adolescente, as Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal, editadas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária por intermédio da Resolução n. 9/2011, e a NBR 9050/2004, para receber adolescentes apreendidos pela prática de ato infracional nesta cidade, nas ocasiões previstas no § 2º do art. 185 do Estatuto da Criança e do Adolescente (as medidas deverão ser adotadas dentro de 120 dias a contar da intimação e encerrar-se no prazo de um ano a partir do início);
B) apontar, dentro de 120 (cento e vinte) dias a contar da intimação desta decisão, qual a medida escolhida para cumprir a presente decisão;
C) indicar, no prazo de 48h a partir da intimação desta decisão, repartição com instalações apropriadas neste município, em seção separada dos adultos, para acomodar adolescentes apreendidos pela prática de ato infracional em Criciúma, até a remodelagem das instalações.
Os prazos acima deverão ser rigorosamente cumpridos, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (mil reais), a ser revertida na reforma da cela objeto deste processo. Caso a medida acima seja insuficiente, serão bloqueados valores do tesouro estadual suficientes ao cumprimento desta decisão, nos termos do art. 461, § 5º, do Código de Processo Civil.
Expeça-se mandado para interdição da cela referida nos autos, lacrando-se, a ser cumprida por oficial da infância e juventude de plantão, cuja reabertura só poderá ser feita mediante ordem judicial."

A Sentença foi publicada no dia 03/10/2014 e está sujeita a recurso.

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