O Magistrado da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Criciúma julgou procedente os pedidos formulados pelo Ministério Público de Santa Catarina, através da 8ª Promotoria de Justiça da Comarca de Criciúma, em Ação Civil Pública (020.12.023887-0) contra o Estado de Santa Catarina, confirmando a decisão liminar e condenando-o a:
a) abster-se de encaminhar adolescentes em conflito com a lei para o cumprimento de medida socioeducativa de internação no Casep de Criciúma, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) por interno revertida ao FIA de Criciúma, a ser arcada pessoalmente pela Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, sem prejuízo da remessa de cópia dos autos à curadoria da moralidade administrativa, para os fins do art. 29 da Lei n. 12.594/2012;
b) transferir os adolescentes internados provisoriamente no Casep de Criciúma, que forem sentenciados ao cumprimento de medida socioeducativa de internação, para uma unidade de execução no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da requisição de vaga, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de descumprimento revertida ao FIA de Criciúma, a ser arcada pessoalmente pela Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, sem prejuízo da remessa de informações à curadoria da moralidade administrativa, para os fins do art. 29 da Lei n. 12.594/2012.
Esta decisão vem colocar em ordem o atendimento socioeducativo oferecido pelo Estado de Santa Catarina na Comarca de Criciúma, obrigando-o a observar a destinação da unidade de internação provisória que ele próprio conferiu.
Da sentença, cabe recurso.
Segue, abaixo, a íntegra da decisão.
"S E N T E N Ç A
Relatório:
O Ministério Público ajuizou ação civil pública
com obrigação de fazer e de não fazer em face do Estado de Santa Catarina,
alegando, em resumo, que o réu, por intermédio da Secretaria de Estado de
Segurança Pública e Defesa do Cidadão, celebrou com a organização não
governamental Multiplicando Talentos, no dia 17 de dezembro de 2009, o Termo de
Convênio n. 19900/2009-6, com o objetivo de atender adolescentes aos quais se
atribua a autoria de atos infracionais em internamento provisório e definitivo
na região de Criciúma e adjacências da 5ª Circunscrição
Judiciária.
Acrescentou que no ano de 2012 realizou inspeções bimestrais no
Centro de Atendimento Provisório – Casep de Criciúma, oportunidades em que
constatou o desvio de função da unidade, uma vez que o número de adolescentes
internados definitivamente sempre superou o número de internos
provisoriamente.
Ponderou que, embora exista previsão no convênio para o
atendimento de adolescentes internados definitivamente, a unidade não possui
estrutura para tal finalidade.
Ressaltou, ainda, que a situação tem se
agravado em razão da intensa transferência de adolescentes promovida pelo
Departamento de Atendimento Socioeducativo – Dease, que encaminhou ao Casep de
Criciúma adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa oriundos de
diversas regiões do Estado, em descumprimento com o disciplinado no Termo de
Convênio.
Destacou que a ação do gestor implicou lotação da unidade e
incapacidade de internamento de adolescentes oriundos da região definida no
Convênio, os quais acabam permanecendo em cela de repartição policial sem
condições apropriadas.
Argumentou que o descaso, ou comodidade, do Estado em
construir unidades para cumprimento de medida socioeducativa de internação não
pode ensejar a violação dos direitos dos adolescentes, nem acarretar abalo à
segurança pública da cidade, em virtude da constante necessidade de deslocamento
de efetivo da Polícia Militar até a unidade para resguardar a segurança dos
funcionários.
Ao final, pugnou pelo deferimento de liminar determinando que o
réu promova a imediata transferência dos adolescentes internados no Casep de
Criciúma que cumprem medida socioeducativa de internação e que não possuam
qualquer vínculo com região definida no Convênio para os Centros Educacionais
Regionais existentes no Estado, bem como para que o demandado se abstenha de
encaminhar adolescentes em conflito com a lei para o cumprimento de medida
socioeducativa de internação na unidade.
Notificado para se manifestar a
respeito do pedido de liminar, o réu sustentou que estão sendo adotadas
providências para sanar as irregularidades apontadas na inicial.
Observou que
o Estado de Santa Catarina conta em sua estrutura com apenas duas unidades para
cumprimento de medida socioeducativa de internação e quatorze estabelecimentos
de internação provisória. Registrou a construção do Case de Joinville, bem como
a previsão do início das obras de edificação do Case da Grande Florianópolis e a
existência de recursos para novas unidades nos municípios de Criciúma, Lages e
Chapecó.
Justificou o encaminhamento de adolescentes de outras regiões do
Estado para a unidade de Criciúma em razão da ausência de vagas para internação
na localidade onde deveriam cumprir a medida socioeducativa.
Destacou que o
Convênio atualmente em vigor estabelece que a unidade de Criciúma é destinada ao
atendimento de adolescentes nos regimes de internação provisória e definitiva,
bem como autoriza o encaminhamento de adolescentes de outras regiões, quando
comprovada a ausência de vagas no respectivo Centro de Atendimento
Socioeducativo.
Sustentou a ausência de pressupostos para a concessão da
liminar, ressaltando que não ficou demonstrada a verossimilhança dos fatos
alegados na inicial, uma vez que o Estado de Santa Catarina tem promovido
diligências para sanar o problema da falta de vagas para internação.
Além
disso, argumentou que não se faz presente o periculum in mora, pois o
deferimento da medida initio litis implicaria soltura dos adolescentes
internados definitivamente, ou na superlotação de outras unidades, causando,
desse modo, grave lesão à ordem pública, à segurança e à economia
pública.
Obtemperou, ainda, que a providência pleiteada pelo Ministério
Público demandará tempo, planejamento e aprovação orçamentária, circunstâncias
que tornam impraticável a concessão da liminar.
Requereu, assim, o
indeferimento da liminar requestada, ou a concessão de um prazo razoável para
seu cumprimento.
O pronunciamento do réu veio instruído com cópia do Termo de
Convênio atualmente em vigor e com informações prestadas pelo Diretor do
Dease.
Com vista dos documentos apresentados, o Ministério Público aditou o
pedido inicial. Ressaltou que o novo Termo de Convênio, firmado em 1º de
dezembro de 2012, definiu que o Casep de Criciúma destina-se única e
exclusivamente ao atendimento de adolescentes em regime de internação
provisória. Nesse passo, considerando que o réu ainda não foi citado, alterou o
pedido, requerendo a concessão de liminar para que o réu promova a transferência
imediata de todos os adolescentes que cumprem medida socioeducativa de
internamento definitivo, bem como se abstenha de colocar adolescentes em
conflito com a lei para o cumprimento da medida definitiva de internamento no
Casep de Criciúma.
A liminar foi deferida para determinar que o réu
promovesse, no prazo de 90 (noventa) dias a contar da intimação, a transferência
de todos os adolescentes que se encontram cumprindo medida socioeducativa de
internação no Casep de Criciúma, sob pena de multa diária de R$ 500,00
(quinhentos reais) por interno revertida ao FIA de Criciúma, a ser arcada
pessoalmente pela Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, sem prejuízo da
remessa de cópia dos autos à curadoria da moralidade administrativa, para os
fins do art. 29 da Lei n. 12.594/2012.
No tocante aos adolescentes que forem
sentenciados ao cumprimento de medida socioeducativa após o decurso desse prazo,
foi determinado, ainda, que o Estado de Santa Catarina promovesse sua
transferência para uma unidade de execução no prazo de 30 (trinta) dias, a
contar da requisição de vaga, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos
reais) por dia de descumprimento revertida ao FIA de Criciúma, a ser arcada
pessoalmente pela Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, sem prejuízo da
remessa de informações à curadoria da moralidade administrativa, para os fins do
art. 29 da Lei n. 12.594/2012.
Contra a decisão o réu interpôs agravo de
instrumento, sendo que não há, até o momento, notícia da concessão de efeito
suspensivo ao recurso.
No prazo legal, o réu apresentou contestação,
arguindo, em preliminar, a incompetência do Juízo da Vara da Infância e da
Juventude. Suscitou, também, a impossibilidade jurídica do pedido, argumentando
não ser admissível o controle do mérito do ato administrativo pelo Poder
Judiciário. Ressaltou a inobservância do § 3º do art. 1º e do art. 2º da Lei n.
8.437/92, uma vez que a liminar deferida esgotou o objeto da ação. No tocante ao
mérito, afirmou que a utilização da Unidade de Criciúma para a internação de
adolescentes sentenciados deve-se ao aumento considerável do número de
infratores, situação agravada em razão da interdição e demolição do Centro
Educacional São Lucas. Registrou que a Unidade de Tubarão está em reformas e que
a construção do Case de Joinville, obra com previsão de entrega para o mês de
julho de 2013, propiciará o aumento do número de vagas no Estado. Destacou que a
judicialização do procedimento de distribuição das vagas tem prejudicado o
atendimento dos adolescentes. Reiterou o argumento da impossibilidade do
controle judicial sobre a conveniência e oportunidade da atividade
administrativa. Asseverou que, nos termos da Resolução 165/2012 do CNJ, compete
ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, no caso o Departamento de
Administração Socioeducativa (Dease), fazer o encaminhamento do adolescente em
conflito com a lei para as unidades do Estado. Invocou a ausência de previsão
orçamentária. No que diz respeito à multa, sustentou a impossibilidade de
estabelecimento da astreinte em desfavor da pessoa jurídica de direito público.
Aventou, também, a exiguidade do prazo para o cumprimento da liminar, observando
que estão sendo adotadas as medidas para sua implementação.
Após manifestação
do Ministério Público, vieram os autos à conclusão.
Fundamentação:
1.
Conheço diretamente do pedido, nos termos do art. 330, I, do Código de Processo
Civil, uma vez que não há necessidade de produção de provas em audiência.
2.
Cuida-se de ação civil pública promovida pelo Ministério Público do Estado de
Santa Catarina em razão da oferta irregular de atendimento aos adolescentes
internados no Centro de Atendimento Socioeducativo Provisório – Casep de
Criciúma pelo Estado de Santa Catarina (art. 208, parágrafo único, combinado com
o art. 210, I, do Estatuto da Criança e do Adolescente).
3. A preliminar de
incompetência do Juízo da Vara da Infância e da Juventude não merece
guarida.
Com efeito, tratando-se de demanda que tem como fundamento a
violação dos direitos de adolescente por parte do Estado de Santa Catarina (art.
98, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente), a competência para processar
e julgar a causa passa a ser do Juízo da Infância e da Juventude, nos termos do
art. 148, IV, combinado com o art. 209 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
em detrimento do Juízo da Fazenda Pública. A propósito do tema, destaca-se o
entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO PROCESSUAL
CIVIL. COMPETÊNCIA E CONDIÇÕES DA AÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO.
CONSTRUÇÃO DE PRÉDIOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS DE ORIENTAÇÃO E TRATAMENTO
DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ALCOÓLATRAS E TOXICÔMANOS. VARA DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE. ARTS. 148, IV, 208, VII, E 209 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE. REGRA ESPECIAL.
I - É competente a Vara da Infância e da
Juventude do local onde ocorreu a alegada omissão para processar e julgar ação
civil pública ajuizada contra o Estado para a construção de locais adequados
para a orientação e tratamento de crianças e adolescentes alcoólatras e
toxicômanos, em face do que dispõem os arts. 148, IV, 208, VII, e 209, do
Estatuto da Criança e do Adolescente. Prevalecem estes dispositivos sobre a
regra geral que prevê como competentes as Varas de Fazenda Pública quando
presentes como partes Estado e Município.
II - Agravo regimental improvido.
(AgRg no Resp 871.204/RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma,
julgado em 27/2/2007, DJ 29/03/2007, p. 234)
4. A preliminar de
impossibilidade jurídica do pedido confunde-se com a matéria de fundo e será
apreciada conjuntamente com o mérito da demanda.
5. Relativamente à
inobservância dos preceitos da Lei n. 8.437/92, destaca-se, de início, que o réu
foi previamente instado a se manifestar quanto ao pedido de liminar.
Ainda,
conforme consignado na interlocutória, levando-se em consideração que o
aditamento teve como fundamento os documentos apresentados pelo Estado de Santa
Catarina em sua manifestação a respeito do requerimento de tutela liminar, bem
como o disposto no art. 213, § 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, era
dispensável novo pronunciamento do réu, sendo possível a imediata apreciação da
medida initio litis.
Além do mais, não se vislumbra a irreversibilidade da
providência liminar, uma vez que no caso de eventual provimento do recurso
interposto, ou improcedência do pedido, a situação poderá retornar ao status quo
ante.
6. De acordo com o art. 4º, III, da Lei n. 12.594/2012 (Lei do Sinase),
compete aos Estados criar, desenvolver e manter programas para a execução das
medidas socioeducativas de semiliberdade e internação.
Por sua vez, a
Resolução n. 165/2012 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre normas
gerais para o atendimento, pelo Poder Judiciário, ao adolescente em conflito com
a lei no âmbito da internação provisória e do cumprimento das medidas
socioeducativas, definiu que a gestão das vagas de internação é atribuição do
órgão gestor do atendimento socioeducativo:
Art. 5º O ingresso do adolescente
em unidade de internação e semiliberdade, ou serviço de execução de medida
socioeducativa em meio aberto (prestação de serviço à comunidade ou liberdade
assistida), só ocorrerá mediante a apresentação de guia de execução, devidamente
instruída, expedida pelo juiz do processo de conhecimento.
...
Art. 6º A
guia de execução, provisória ou definitiva, deverá ser expedida pelo juízo do
processo de conhecimento.
§ 1º Formalizada a guia de execução, conforme
regrado pelos arts 6ª, 7º e 8º desta Resolução, o juízo do processo de
conhecimento encaminhará, imediatamente, cópia integral do expediente ao órgão
gestor do atendimento socioeducativo, requisitando designação do programa ou da
unidade de cumprimento da medida.
§ 2º O órgão gestor do atendimento
socioeducativo, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, comunicará o
programa ou a unidade de cumprimento da medida ao juízo do processo de
conhecimento e ao juízo responsável pela fiscalização da unidade indicada
(Resolução do CNJ n. 77/2009)
...
No caso do Estado de Santa Catarina,
conforme destacado na contestação, a gestão de vagas das unidades de internação
é realizada pelo Departamento de Administração Socioeducativa – Dease, vinculado
à Secretaria de Estado da Justiça e Cidadania.
Em relação ao Casep de
Criciúma, a atribuição do Dease para a administração e distribuição de vagas
está prevista no item II da Cláusula Quarta do Convênio n. 2013/061, firmado em
dezembro de 2012 (fls. 268-285):
A SECRETARIA e o DEASE obrigar-se-ão
a:
...
II – Administrar, conforme encaminhamento judicial, a distribuição
das vagas solicitadas pelas Varas da Infância e Juventude, observando sempre que
possível, o critério territorial disposto no inciso VI do Art. 124 e demais
critérios estabelecidos pelas Leis nº 8.069/90 - Estatuto da Criança e do
Adolescente – ECA e pela Lei nº 12.594/12 – Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo – SINASE, bem como a observância da divisão territorial por
circunscrição judiciária e municípios adjacentes;
... (fl. 270)
Esse poder
de gestão do sistema de internação e das respectivas vagas não é absoluto, uma
vez que jungido aos preceitos definidos no Estatuto da Criança e do Adolescente
e na Lei do Sinase.
De acordo com o Convênio n. 18900/2009-6 (fls. 26-31),
celebrado entre o Estado de Santa Catarina e a Multiplicando Talentos em 17 de
dezembro de 2009, o centro de internamento de Criciúma destinava-se ao
atendimento de adolescentes aos quais se atribuísse a prática de ato
infracional, em regime de internamento provisório e definitivo (cláusula
primeira e cláusula quinta, item I).
Apesar da definição contratual,
importante ressaltar que a unidade de Criciúma não possui estrutura adequada ao
atendimento simultâneo de adolescentes internados provisória e definitivamente,
conforme registrou o Conselho Nacional de Justiça no relatório descritivo da
unidade, elaborado em decorrência do Projeto Medida Justa, após visita realizada
no dia 24 de agosto de 2010:
A Unidade não oferece condições adequadas para
os fins a que se destina (atendimento cumulado CIP e CER), desrespeitando os
critérios adotados pelo SINASE. (fl. 158)
A inadequação da unidade para o
atendimento simultâneo de internações provisórias e definitivas foi igualmente
verificada pela Coordenadoria de Execução Penal e da Infância e Juventude do
Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por ocasião de inspeção realizada no dia
26 de maio de 2010:
Apesar de ser um CIP, cuja proposta é execução de
programa de internação provisória pelo prazo de 45 dias, esta unidade de
Criciúma vem atendendo adolescentes que cumprem medida socioeducativa de
internação, em razão da falta de vagas nos Centros Educacionais Regionais,
estabelecimentos adequados a tal finalidade. (fl. 167)
Dentre as
recomendações emitidas em decorrência da inspeção para adequação da unidade,
extrai-se a seguinte medida:
Providenciar a transferência dos adolescentes
que cumprem medida de internação para um dos Centros Educacionais Regionais do
Estado. (fl. 167)
Pelo que se infere do Convênio n. 2013/061, celebrado entre
o Estado de Santa Catarina e a Multiplicando Talentos em dezembro de 2012 (fls.
268-285), o próprio réu reconheceu a inadequação da unidade de internamento de
Criciúma para o atendimento simultâneo das duas modalidades de internação, tanto
que restringiu o atendimento à internação provisória.
É o que se observa da
cláusula primeira, que definiu o objeto do novo convênio de gestão do Casep de
Criciúma:
O presente Convênio tem por objeto prestar atendimento a
adolescentes aos quais se atribua autoria de ato infracional, em cumprimento de
medida socioeducativa de Internação Provisória, devidamente decretado pela
autoridade judiciária, dando cumprimento às decisões judiciais das respectivas
Varas da Infância e da Juventude, prestando atendimento socioeducativo na forma
do estabelecido nos artigos 94, 108, 121, 123, 124, 125, 183, 185 e seguintes da
Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) (fl. 269)
No mesmo
sentido, é a obrigação assumida pela entidade conveniada na cláusula quinta,
item I:
A ENTIDADE obrigar-se-á:
I – Disponibilizar 20 (vinte) vagas, para
atendimento a adolescentes aos quais se atribua autoria de ato infracional, em
regime de Internação Provisória; (fl. 272)
Importante destacar que a
alteração do objeto do convênio se deu em decorrência de um juízo de
conveniência e oportunidade do gestor do sistema socioeducativo que, mesmo
ciente de eventual carência de vagas, ou da ausência de previsão orçamentária,
entendeu por bem restringir a destinação do Casep de Criciúma ao atendimento de
adolescentes internados provisoriamente.
Se assim agiu o administrador, no
exercício de seu poder discricionário, é porque não só reconheceu a inadequação
da manutenção dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação
no Casep de Criciúma como também previu a possibilidade do imediato
encaminhamento dos internos já sentenciados para unidades destinadas à
execução.
Sempre importante lembrar que ao administrador não é dado o direito
de se beneficiar da própria torpeza. A gestão da coisa pública exige
responsabilidade, sendo incompatível com o princípio da moralidade
administrativa a deliberação meramente retórica a respeito de política pública,
notadamente aquela voltada ao atendimento do público infantojuvenil, gravada
pela Constituição da República como prioridade absoluta.
Sendo assim,
verifica-se que o acolhimento do pedido é medida que se impõe, a fim de que seja
determinado que o Estado de Santa Catarina, na gestão das vagas do Casep de
Criciúma, restrinja a Unidade ao atendimento de adolescentes internados
provisoriamente, nos exatos termos do Convênio celebrado com a organização não
governamental Multiplicando Talentos em dezembro de 2012.
Saliente-se que a
decisão, nesses termos, não interfere na discrionariedade administrativa, nem
implica indevida intervenção judicial na gestão de vagas para internação de
adolescentes em conflito com a lei no Estado de Santa Catarina, na medida em que
respeita o juízo de conveniência e oportunidade formulado pelo réu por ocasião
da confecção do ato administrativo.
Relativamente à impossibilidade de
estabelecimento de multa para o caso de descumprimento da determinação judicial
em desfavor da pessoa jurídica de direito público, cumpre registrar que esta não
é a hipótese dos autos, uma vez que a astreinte foi aplicada à autoridade que
tem competência para cumprir a decisão, no caso a Secretária de Estado de
Justiça e Cidadania, signatária do Convênio em discussão (fls.
156-157).
Dispositivo:
Ante o exposto, acolho o pedido formulado pelo
Ministério Público em face do Estado de Santa Catarina, para confirmar a liminar
de fls. 150-157 e para:
A) condenar o réu a abster-se de encaminhar
adolescentes em conflito com a lei para o cumprimento de medida socioeducativa
de internação no Casep de Criciúma, sob pena de multa diária de R$ 500,00
(quinhentos reais) por interno revertida ao FIA de Criciúma, a ser arcada
pessoalmente pela Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, sem prejuízo da
remessa de cópia dos autos à curadoria da moralidade administrativa, para os
fins do art. 29 da Lei n. 12.594/2012;
B) condenar o réu a transferir os
adolescentes internados provisoriamente no Casep de Criciúma, que forem
sentenciados ao cumprimento de medida socioeducativa de internação, para uma
unidade de execução no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da requisição de
vaga, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de
descumprimento revertida ao FIA de Criciúma, a ser arcada pessoalmente pela
Secretária de Estado de Justiça e Cidadania, sem prejuízo da remessa de
informações à curadoria da moralidade administrativa, para os fins do art. 29 da
Lei n. 12.594/2012.
Comunique-se com urgência ao relator do recurso de agravo
interposto pelo réu.
Uma vez que a condenação não possui valor certo,
inaplica-se a exceção prevista no § 2º do art. 475 do Código de Processo Civil.
Sendo assim, após o decurso do prazo para os recursos voluntários, remetam-se os
autos ao Tribunal de Justiça, para o reexame necessário.
Procedimento isento
de custas e emolumentos, nos termos do § 2º do art. 141 do Estatuto da Criança e
do Adolescente.
P. R. I.
Criciúma, 05 de agosto de 2013.
Giancarlo
Bremer Nones
Juiz de Direito"
Nenhum comentário:
Postar um comentário