quarta-feira, 14 de agosto de 2013

AUSÊNCIA PATERNA É A MARCA DE MENORES INFRATORES INTERNADOS EM SANTA CATARINA

Compartilho, neste espaço, reportagem veiculada na edição do Diário Catarinense do último domingo, dia 11/8/2013, quando também se comemorou o Dia dos Pais.

Diz a matéria jornalística que seis em cada dez adolescentes de Santa Catarina que cumprem medida socioeducativa de internação por tráfico de entorpecentes, homicídio e roubo (assalto) têm a ausência paterna como característica em comum.

É claro que a simples ausência não tornará a pessoa um delinquente. Todavia, a literatura especializada tem demonstrado que a figura paterna é importantíssima na fase infanto-juvenil e crucial na formação do caráter, como afeto, referência e imposição de limites.

Observei, após ler a reportagem, que em apenas em dois dias de audiências judiciais na Vara da Infância e Juventude de Criciúma, de cinco adolescentes a quem se atribuía a prática de ato infracional que se apresentaram em Juízo, apenas um tinha a figura paterna presente. Os demais ou já contavam com pais falecidos, ou ausentes.

No livro "Gestão Familiar e Delinquência Juvenil. Ensaio criminológico no Direito brasileiro e português", a autora Edilene Dias Virmieiro Balbino, apresenta análise desenvolvida por Sheldon e Eleanor Glueck, na cidade de Boston, Massachusetts, Estados Unidos:

Foram investigados 1000 (mil) jovens do sexo masculino, com idade de 10 a 17 anos. Desses, 500 (quinhentos) era delinquentes (assim considerados os que passaram por três vezes perante um juiz menorista) e outros 500 (quinhentos) não- delinquentes (assim considerados os que nunca se afastaram da rede escolar).

"A análise geral da pesquisa 'entrevista' dos dois grupos revelou que: por um lado, no grupo dos não-delinquentes, os seus pais eram mais amorosos e carinhosos; no exercício do poder familiar, ambos os pais fizeram uso tanto da punição física quanto do apelo à razão, portanto ambas as formas educativas, quase, em percentuais aproximados. além disso, o afeto entre os irmãos encontra-se dentro da normalidade, bem como os filhos e os pais (exclui-se a mãe) apresentam afeto entre si em grau saudável.

Por outro lado, no grupo dos delinquentes, observou-se que o amor e o carilho ofertado ao filho pela mãe preponderam em relação ao demonstrado pelo pai, com isso constatamos maior vinculação parental por parte das mães. E, ainda, a pesquisa revelou a diminuta vinculação parental/familiar tanto do pai para com o filho e deste para com o pai. Entretanto, houve, por parte das mães, a superproteção com calor humano, e isso denota ausência ou o empobrecimento no exercício de impor disciplina ao comportamento dos filhos.

Tal forma de "educação" pode transformar-se em fator incrementativo ou de estímulo à delinquência juvenil. Contudo, ainda que a pesquisa aponte essa assertiva, isso não significa que seja a regra, pois a socialização da criança depende de vários fatores do meio externo bem como das características individuais das crianças.

Além disso, foi verificado, por parte de ambos os pais, o exercício do método "educativo" da punição física de maneira exacerbada, se comparado com o apelo à razão, e isso demonstra que os pais se abstiveram da prática de internalizar na personalidade dos filhos a consciência e a responsabilidade por meio da comunicação."

Está claro, nos dados apresentados, que o vínculo familiar e a personalidade, aliados ao meio social são fatores determinantes na formação de crianças e adolescentes. Havendo falhas ou desestruturação, a possibilidade de incidência deliquencial aumenta exponencialmente.

Há, pois, necessidade de um Sistema de Garantias e Direitos devidamente estruturado e comprometido com a proteção de crianças e adolescentes, de modo a atuar na elaboração de políticas públicas de apoio e fortalecimento familiar, e prevenir um futuro muitas vezes incerto.

Mauro Canto da Silva
Promotor de Justiça
Curadoria da Infância e Juventude
Criciúma


Seis em cada dez10/08/2013 | 15h06

Ausência paterna é a marca de menores infratores internados em Santa Catarina

Mais da metade dos adolescentes internados por tráfico, homicídio e assalto têm em comum uma infância sem pai



Conhecedoras dos caminhos da delinquência juvenil, as assistentes sociais e psicólogas dos centros de recuperação do Estado conseguem encaixar as perguntas certas para abrir corações e mentes dos adolescentes internados por tráfico, homicídio e assalto. Eles mencionam fatos nada surpreendentes como uso de drogas, pobreza e ausência do pai — seis em cada 10 internos do Estado nunca compraram um presente para entregar no segundo domingo de agosto.

Vinculada à disciplina e ao estabelecimento de limites, a figura paterna tem papel decisivo na formação da personalidade de uma pessoa e a ausência influencia numa possível entrada no mundo do crime. Esperar que o mundo eduque é insuficiente, diz a juíza Sonia Moroso, da 1a Vara Criminal de Itajaí e madrinha de uma instituição para crianças e adolescentes.

— Se a autoridade não é exercida, a criança cresce sem regras e há mais facilidade em ultrapassar os padrões de normalidade — afirma Sonia.

Mas os especialistas ressaltam que não existe uma relação de causa e efeito e não significa que todo órfão de pai será delinquente. Se fosse assim, faltariam vagas no sistema socioeducativo. Ocorre que a participação do pai internaliza conceitos éticos e de cidadania num processo que começa desde o nascimento, conta Maria de Lourdes Trassi Teixeira, supervisora do Curso de Psicologia da PUC-SP.

Segundo Maria de Lourdes, o contato desde os primeiros dias de vida reforça os vínculos afetivos do futuro adolescente com a pessoa tomada como exemplo. Ela declara ainda que ouvir "não" nos primeiros anos de vida mostra que alguém se importa e não deseja que a criança seja exposta a situações perigosas. Ser criado sem atenção leva a ignorar os demais.

O psicólogo do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público, Marlos Terêncio, ressalta que a ausência do pai traz prejuízos, mas pode ser remediada. Um tio, avô ou professor ou até um figura feminina pode desempenhar o papel de imposição de regras, visto que 37% das famílias são chefiadas por mulheres de acordo com o censo do IBGE. Ocorre que as famílias não recebem a orientação e o acompanhamento necessário para nomear alguém que imponha regras e crie senso de responsabilidade nos jovens.

Quando nada disso acontece, o jovem vai parar num centro de recuperação que em Florianópolis tem o sugestivo nome de PAI — Plantão de Atendimento Inicial.
Vontade de estar próximo foi transformada em ódioO jovem de 17 anos nem sabe quantas vezes esteve na cela da delegacia, mas acredita estar perto da vigésima. Por trás da grade ele diz que se considera um órfão de pai vivo. A distância não é uma opção do garoto que foi atrás do pai diversas vezes. Sempre ignorado, desistiu e a vontade de estar próximo virou ódio.

Ambos ficaram próximos quando o jovem foi apreendido pela primeira vez. O pai apareceu para reclamar que não gostava de vagabundo e partiu para cima. Socos até cair no chão, pontapés enquanto estava caído e por fim golpes com fio de luz. O garoto diz que começou no crime por necessidade aos 12 anos e se hoje o pai aparecer para bater nele vai ter briga de igual para igual.

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