sexta-feira, 19 de abril de 2013

REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL - uma solução, apenas, simplista!

Nos últimos dias, estamos sendo bombardeados com uma série de informações, opiniões, prós e contras à necessária discussão acerca da "redução da maioridade penal".

Articulistas, juristas, jornalistas, comentaristas políticos - até esportivos -, do cidadão comum aos representantes eleitos pelo povo para governar e legislar, enfim, a sociedade em geral, sob o espanto da estupidez humana e clamor de um ato infracional bárbaro (latrocínio cometido por um adolescente prestes a completar 18 anos) divagaram acerca da responsabilidade "penal" de adolescentes a quem se atribui a prática de um ato infracional (que nada mais é, na forma do artigo 103 do ECA, uma conduta descrita crime).

Não pretendo trazer argumentos jurídicos como, talvez, o mais extremo deles, de que a inimputabilidade penal aos menores de 18 (dezoito) anos, prevista no artigo 228, da Constituição Federal, seja cláusula pétrea e, portanto, inviável qualquer tipo de alteração pelo poder constituinte derivado.

Também não possuo competência para invadir a neurociência, psiquiatria, psicologia e demais áreas dedicadas ao estudo da mente e consciência humana, nem tenho formação para discutir causas, efeitos, problemas ou hipóteses da desigualdade social, e ausência de oportunidades que o meio social que se encontram possam transformar as pessoas que ali se encontram inseridas.

Inevitavelmente, como Promotor de Justiça da Infância e Juventude, deparo-me com todas estas variáveis. Seja na seara "protetiva" do Estatuto, seja na "socioeducativa". Por isso, também, a conveniência de publicar, aqui neste espaço, a postagem "Quando o conhecimento jurídico não basta - a imprescindibilidade da intervenção técnica interdisciplinar nas causas que envolvem interesses de crianças e adolescentes".

Mas há dias venho refletindo sobre o assunto. Lendo, pensando, estudando, avaliando. Exercendo meu livre pensar e me permitindo, como conferido pela mesma Leia Maior da República, formar meu juízo e emitir minha livre opinião.

Eu dizia que há necessidade da discussão. Seja por um momento de dor (e talvez o ser humano somente aprenda na dor), a sociedade deve exercer seu papel de protetora das crianças e adolescentes. Sim. A sociedade (também) é defensora e responsável, na forma do artigo 227, da CF, de ASSEGURAR os mais básicos e fundamentais direitos às crianças e adolescentes:

"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".


A criança e o adolescente, definido por critério etário por opção constitucional, se apresenta em uma condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Isso não quer dizer que sejam despidos de consciência. Obviamente que não. E como tal, no Brasil, a partir dos 12 (doze) anos, estão sujeitos às normas de caráter socioeducativo previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente em retribuição ao ato infracional (se) praticado.

As medidas socioeducativas, de caráter sancionatório e  retributivo, mas (deveria ser) pedagógica-educativa, impõe ao adolescente autor de ato infracional desde uma simples advertência, passando pela obrigação de reparar o dano causado, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida e as privações de liberdade, como a semiliberdade e a excepcional de internação por período indeterminado, respeitado o limite de três anos.

Não há que se falar de "impunidade" em relação ao adolescente, quando, na verdade, o que pode haver atualmente seja uma desproporção entre o ato cometido e a medida aplicada. Todavia (e sempre há um "todavia" para questões complexas) esta desproporção se verifica no próprio Código Penal para os adultos. 

Exemplificando, a prisão, regime fechado, para adultos, equivalente à internação aos adolescentes, só é aplicada a condenados reincidentes, que tenham cometido crimes hediondos, ou que tenham recebido pena acima de 8 (oito) anos.

A Lei de Execução Penal confere a forma progressiva de execução da pena onde, a cada cumprimento da fração de 1/6 (ou 2/5 para crimes hediondos), o condenado tem direito à progressão para regime mais brando. Além disso, o adulto tem benefício da remição, ou seja, a cada três dias trabalhados reduz-se um da pena. Há, também, previsão de livramento condicional para condenados a mais de 2 anos que cumprirem 2/3 de sua pena.

No sistema socioeducativo, que por lei não pode(ria) haver tratamento mais gravoso que o sistema penal,  no caso de internação, o adolescente sabe quando entra, não sabe quando sai.

Há obrigação de reavaliação da medida aplicada a cada 6 (seis) meses. O adolescente, então, submetido à internação, não pode contar os dias para o final de sua "pena". Trabalhando ou lendo livros, não reduzirá seu prazo, pois não há prazo definido. Após reavaliado, com base em relatório técnico, pode ser mantida a medida ou substituída por outra menos grave. Se for, por exemplo, substituída por medida de semiliberdade, o adolescente enfrentará a mesma situação de incerteza da internação: medida por tempo indeterminado, devendo ser reavaliada a cada 6 meses, respeitando prazo máximo de 3 anos. Igualmente para Liberdade Assistida.

Tais medidas podem ser executadas até o já não mais adolescente completar 21 (vinte e um) anos de idade,  quando há a compulsoriedade da extinção.

Portanto, um adolescente com 15 anos de idade que comete um roubo (assalto) - cuja pena para adulto é de 4 a 10 anos, pode cumprir medida socioeducativa em regime de privação de liberdade até os 21 (vinte e um), considerando-se os períodos máximos de internação e semiliberdade.

O adulto, se condenado a pena máxima, inicia o cumprimento de sua pena no regime fechado, cumpre um 1/6 da pena, equivalente a 1 ano e 8 meses e passa ao semiaberto e mais 1/6 passa ao aberto. Ou seja, em menos de 3 anos e 6 meses - pois não esqueça da remição - estará livre, prevendo o dia e hora que deixará a cadeia. Isso para não falar que nunca, jamais, vi uma condenação em pena máxima.

No homicídio simples, outro exemplo, o adulto julgado e condenado a pena mínima de 6 anos, inicia o cumprimento da reprimenda em regime semiaberto e, passados 1/6, ou seja, um ano, alcança o regime aberto, retornando ao convívio social.

Para o adolescente, embora também não tenha visto nenhum atingir o prazo máximo de 3 anos de internação, não sei se algum daqueles que hoje se encontram internados (irregularmente) no CASEP de Criciúma, não possa ser o primeiro exemplo.

É evidente que a legislação infanto-juvenil, como qualquer outra, pode ser discutida e evoluída. Entendo salutar o debate. É da democracia. Fico feliz, inclusive, que o Governador do Estado de São Paulo, responsável primário pela implementação de políticas públicas e gestão do sistema socioeducativo daquele estado, esteja imbuído de contribuir para o debate, apresentando idéias e propostas sem que seja, apenas, a simplista redução da maioridade penal, embora algumas delas já esteja prevista no Estatuto, como por exemplo, a separação dos adolescentes por idade (local especial para internação de jovens entre 18 e 21 anos). Basta vontade política para cumpri-lo.

Antes de se discutir uma alteração legislativa, ou quiçá, na própria Constituição Federal, deve-se é lutar pela efetiva implementação do próprio Estatuto que vige há 23 anos no Brasil e é solenemente ignorado.

A discussão não é simples. Muito pelo contrário, é extremamente complexa. Qualquer discussão simplista em assunto complexo pode levar a conclusões superficiais com uma alta probabilidade de erro.

Ouso dizer, por fim, que se os mensaleiros fossem adolescentes e tivessem submetidos aos princípios do ECA, como intervenção precoce e brevidade, já teriam cumprido suas medidas socioeducativas porventura impostas e uma "resposta" (que é o que hoje se exige) à sociedade já haveria sido concedida.

Afinal, quem zomba mais: o adolescente que comete um ato infracional e fica "só" três anos "preso" ou o corrupto, traidor da República, que desvia milhões e promove o maior escândalo da história política do Brasil e, mesmo após, enfim, submetidos a julgamento e condenados a penas de décadas, sequer estão próximos do cumprimento de suas penas?

No mínimo paradoxal ver parlamentares posicionarem-se favoráveis à redução da maioridade penal e, por outro lado, defenderem a exclusividade da investigação criminal nas mãos da polícia judiciária, alijando instituições como o Ministério Público do poder (e dever) de investigar. Afinal, não é de impunidade que está se falando?

Impunidade, no dos outros, é refresco!

A reflexão continua... 

Mauro Canto da Silva
Promotor de Justiça

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